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A mostrar mensagens de setembro, 2022

#mãedeus

  A manhã cresce quente como as meias de leite que se servem nas esplanadas. A rua é um reboliço,  babilónia sem um único bom dia ou um foda-se. Não sei em que país estou, mas é suja a rua e a minha fobia de caminhar em passeios sob varandas aumenta à medida que caem mais pingos não sei do quê.  Tudo é uma grande mixórdia. De gente, de cheiros e de ruídos. A calçada está suja, há lixo, pombos atordoados, cheira a mijo. Não há nada mais universal que o cheiro a mijo encardido. Os T0 em tendas nas soleiras dos prédios não têm cartazes remax. Velhos, novos, drogados e gente limpa que sorri para as mortalhas. Estou numa passadeira,  o sol queima e ela diz-me bom dia com a graça de uma canção de Tom Jobim. Estão a fazer um estudo sobre Mãe-Deus, pergunta-me se conheço  e eu digo-lhe que tudo que sei sobre Deus cabe no papel de mãe. Agradeço e sigo ainda com sinal vermelho. 

[#partidasechegadas]

Chegava cedo, em domingo de Páscoa,  com o seu fato escuro e de porte impecável. Tinha sempre uma palavra simpática e a sua presença era,  por si só,  prazerosa. Depois romperam-se tradições,  a família deixou de ter momentos em que podíamos ver os tios e os primos e alguma afinidade que fosse mais do que raras e esporádicas ocasiões.  Vio-o esta semana, alheio àquele nevoeiro a estender-se pela copa das árvores e ele ali, à nossa frente, estendido e inesperadamente vazio de gestos, da sua simpatia,  do seu ar bonito  e sempre educado. Vazio de vida, rodeado pelos filhos e pelos netos que perderam o seu elemento agregador.  Hei-de lembrar do tio António,  a chegar num domingo de Páscoa.