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A mostrar mensagens de outubro, 2018

Agora, que penso no Zé Sopa

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Eu reflectida no José Mata ou Zé Sopa, carregador de Peixe, o homem com o sorriso mais bonito que vi ontem. Ainda que numa fotografia, num poster, de uma exposição de rua, uma espécie de tributo ao mar, aos homens que dele vivem e lhe servem. Que histórias contaria? Pergunto-me. Que alegrias e tristezas? Que essência existe ali, para além daquele que sorri para uma câmara?

O fracasso

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07h40 na ponte Vasco da Gama e o Tejo a querer ser mar, com o princípio do vento forte. O primeiro pedacinho de sol seria visível às 08h00 em ponto. E eu pensava o que estava ali a fazer. Que ideia era aquela de sair de casa a um sábado, ainda de noite, a bocejar a cada segundo, de calções já vestidos e com um cansaço tremendo no corpo e no espírito.  Seria um fracasso ter ficado a dormir, isenta das dores que iria trazer, como é sempre um fracasso não conseguir ficar entre os dez primeiros da prova, como foi um fracasso todo o tempo que ausentei o desporto das minhas rotinas.  E é precisamente quando vejo e revejo esse fracasso que me mobilizo para algo. Tem sido mais ou menos assim ao longo do tempo. Duratrail 18Km >> Serra da Arrábida - Setúbal >> 27.10.2018

Ao M., sobretudo, ao M.

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Nulípara. É a primeira palavra do relatório médico, logo a seguir ao número em idade. E lembrei-me logo da sexta-feira, no restaurante da cadeia de fast food da segunda circular, naquela abertura solene de uma viagem, com a euforia de três crianças (que depois seriam cinco) e aquele aviso das mães para que me preparasse porque iria ser um fim-de-semana intenso. E foi.  Porque não existe teoria, autor, investigador, psicólogo, pai, mãe ou a intervenção divina ou do universo que  tenha a solução milagrosa de acalmar uma birra, um drama, uma consumição de uma criança. Tenha ela dois ou dez anos. Ou, simplesmente, seja a solução mais acertada para apostar num crescimento livre de tudo que é menos bom e que, tendencialmente, atribuímos a factores exógenos (extra quatro paredes). Sem o ser, claro. E quando tudo me parece vazio, hiper quadrado, com crianças formatadas para um mundo descartável o M., de dez anos completos, chorou porque não conseguiu, logo à primeira, visitar o amigo

O elefante

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Um elefante entrou numa loja de porcelanas. E de velharias. Deteve-se com o homem do piano, cigarrilha na boca e olhar adentro. Desses olhares que não podemos desviar porque falam. É quase o Palma a cantar "o meu amor tem lábios de silêncio", sem Whisky. Não era essa a música que soava, mas foi dela que o elefante se lembrou. O elefante viajou no tempo, pensou muito, fez a cronologia dos momentos de cada sítio que pisou. Dali, a poucos metros das escadas das sereias e da calçada de Monchique até à outra margem.  Com lábios de silêncio. E sem estragos de maior. Um tanto a salvo da loucura. Ou talvez não. Armazém | Porto, 20/10/2018

18.10.18

Hoje é dia dezoito do mês dez do ano de dois mil e dezoito, era para ter escrito este post às vinte e duas e vinte e dois minutos. Tudo isto para assentar por extenso números que, muito raramente, consigo escrever de outro modo, o que se torna num problema no dia-a-dia. Tudo começou com o nome de uma rua. Creio que era vinte e cinco de Abril o que, por si só, já é irónico. A liberdade numa placa e eu não ser totalmente livre para usar números em vez de letras. Na verdade, não deixam de ser números mas parece que em palavras perdem essa carga de importância que damos a uma data, a uma hora ou a uma quantia de dinheiro. Não sei de onde isto vem mas são agora vinte e três e treze.

O rosário

Tinha a pele branca, muito branca. Óculos arredondados e sorriu quando a porta do elevador se abriu. Deve ter entrado no zero, eu estava no menos dois e ia para um andar acima do dela. Foi então que naquele silêncio dos elevadores eu olhei para a mão dela. Tinha um rosário. E ia a desfiá-lo, se é assim o posso dizer. Quem será esta rapariga que nunca vi antes?  De onde vem, a esta hora? E eu pergunto-me se as orações dela serão as mesmas que aprendi com aquele mesmo objecto? Que Deus evoca? E eu, na ascensão aos céus (mas do elevador), pensei que já não sei rezar. Se é que alguma vez o soube fazer. Ou se aquilo que circunscrevo a uma oração, o é, de facto. Saí do elevador, entrei em casa e fiquei algum tempo a pensar que talvez ela possa ter encontrado uma forma de, em cada uma daquelas contas, nos livrar de todo o mal, de todo o disparate, do egoísmo e de tudo o que descaracteriza aquilo que não existe: a perfeição.

Não importa a varanda em que se está

A ponte desmoronava, o caos instalava-se naquela cidade de terra seca e gretada e as varandas em frente iriam cair não tardava. Passava, assim, um sismo que nos mataria a todos. E eu estava imóvel numa das casas com essas varandas quando acordei às  07:12. Do outro lado do mundo, chega uma mensagem. De Nampula, mais precisamente. Ainda meia acordada, meia a dormir pesquiso onde é exactamente a cidade onde está a A. e penso nas horas que já leva de viagem e nas que ainda faltam para chegar a Nacala. Despedimo-nos com os contrastes. Do pequeno almoço com pastel de nata num prédio com sortes divididas. Falamos em mundos diferentes e volto-me ainda para tentar adormecer novamente. Mesmo sabendo que se retomar o sonho do sismo, não importa em qual das varandas eu esteja. A dos pobres ou dos ricos. Morre-se na mesma.

A lonjura do Leslie

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Neste momento passa o furacão Leslie. Não sei que nível de intensidade leva, se ainda é furacão ou se é tempestade tropical ou se é apenas vento.  A luz tem intermitências, os estores parece que vão partir e as janelas são, seguramente, a prova de que o isolamento da caixilharia é zero.  A Billy é uma gata disfarçada de cão, de orelhas para trás, tentando perceber o que se passa.  Oiço sirenes de emergência. E é então que me lembro dessa grande diferença da cidade para a aldeia. Na aldeia estaríamos a perguntar quem teria sido, ligaríamos aos mais próximos, dependendo da direcção que pensássemos tomar o som. E ficaríamos nessa quase oração de silêncio, respeito e temor, até que as geografias e as pessoas tomassem o seu tempo para se espalhar as notícias. Fossem elas boas ou más. Já alguém escreveu sobre isto, é um facto. E na altura, quando o li pensei nessas primeiras vezes, em que me detinha na rua quando via um carro de emergência a passar. Com a grande diferença que, numa

O Americano

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Dois anos depois e aquela veia saliente da testa ainda não fez das suas. Neste dia, em que olhava para os montes e pensava ser impossível chegar ao mar para ver o fim da terra, conheci o Mark. Não estou bem certa se é era assim o seu nome mas não importa. Sei que era Americano, tinha mais de cinquenta anos, tinha feito o caminho Francês para Santiago e, por isso, andaria há quase dois meses de mochila às costas, sozinho, de olhos postos no horizonte. Não sei se era de Ohio ou  do Kansas mas lembro-me que esperou por mim naquela recta final penosa, ainda bem longe de avistarmos a costa e de, no momento em que avistámos o mar, bem lá ao fundo, eu lhe ter visto outro mar nos olhos. Perguntei-lhe, (estupidamente), se era a primeira vez que via o mar. Respondeu-me que não, mas que não sabia se não poderia ser a última. Não o voltei a encontrar até ao km zero. Mas são raras as vezes em que olho o mar e não me lembro dele. Caminho de Santiago até Finisterra  >> Cee | 12.

Blaszczykowski

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O título da notícia dá-me conta que termina o jogo em Chorzow e Portugal vence a Polónia por 3-2. O meu Google Fotos lembra-me que, há precisamente quatro anos, eu escrevia 1st night out (seja lá o que isso for), na bela cidade de Poznan. E eu não reconheço a cidade onde jogou a nossa selecção, nem tão pouco consigo pronunciar o nome do jogador Polaco que marcou o segundo golo. Mas lembro-me daquela noite, de um Outono mais frio, em Poznan. E de repente estou lá, naquela praça ou a atravessar a ponte do Rio, com lágrimas nos olhos, do frio e não só. E mesmo tendo desistido daquilo que me viria a ser capaz de pronunciar o título deste post, e saber-me tão distante das mudanças que têm acontecido, ainda há muito para redescobrir, a cada regresso lá. Porque, do que é meu, criarei memórias! Stary Rynek | Poznan, Outubro de 2014

Negro

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[Negro de mim A luz, à parte Tão longe, além, no Tejo, ou aqui O Negro de mim A luz sem fim] Instalação | Lisboa, 10.10.2018

Nomes e cores

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Hoje, naquele reboliço de máquina de senhas avariada, pessoas diferentes a chamar pelo nome de outras pessoas diferentes fixei-me nisso. Nos nomes delas. Na expressão do seu rosto, naquilo que faziam enquanto esperavam para realizar os exames médicos. E nas cores das paredes do hospital, das fardas, dos detalhes da comunicação que nos entra pelos sentidos, desde o primeiro minuto que chegamos.  Gosto de verde-água mas aquele parece um pouco mais frio do que aquele verde que gosto. Ou então é de me saber dentro de um hospital.  Foram muitos os nomes, uns mais convencionais, outros mais arrojados. Os que eu diria que serviam na pele daquela pessoa, outros que não eram delas. Como quando chamaram a senhora com apelido Borda D'Água. Ou quando não encontraram a minha marcação de exame porque me assumiram Maria. Apenas uma pessoa me chamava Maria e não estou certa que hoje reagiria se ouvisse da sua voz chamar-me assim. E nesse ruído de sons, de vozes, de silêncio, de olhos cravad

Réstia de manhã

Dobrei a rua nessa mecânica das manhãs. Não importa o dia da semana, oiço a mesma estação de rádio, curvo a rua passando por todos os carros em frente ao colégio e sigo na rua estreita onde não tenho visto a avó com o neto. Terá mudado de escola? Mudaram de cidade? Depois de uma rábula, oiço a música que prometi a mim mesma lembrar-me dela. Mas agora não me lembro. Juncker ou a Theresa May teriam dançado com ela. Mas eu não dancei. A manhã pedia "Voltar" do Rodrigo Leão mas não chovia, não havia amor no peito e eu não queria chorar. Mas eu acordei com essa música e não ter sido o Adeste Fidelis , como a semana passada, já foram acordes de sorte. Ao descer a calçada lembrei-me do que dissera ontem - eu não gosto de réstias! Mas como, se pode ser o fim de algo bom e não apenas no sentido redutor que lhe atribuí? Nesse sentido de porção de um todo, um pedaço de algo.  E se for uma réstia de esperança, de luz de um dia, de imaginação para um trabalho, de amor por alguém, d

O cavalo com o fogo nos olhos

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Acordei num grito. O cavalo empalhado estava no quarto e tinha o fogo da Serra nos olhos.  Aqueles olhos vidrados que vi, felizmente, já depois de ter jantado e dos copos do Vicentino branco. A Serra estava a arder e nós tínhamos estado a falar da memória. Saímos rua fora, pulsando de nervoso ao ler as escassas notícias dessa hora.  Falávamos de exercitar a memória, da importância de observar os detalhes, como as penas de pavão do vaso que quase deitei abaixo com a pressa de vestir o casaco. Ou os sapatos de cor bege do rapaz que jantava sozinho e que, por acaso ou destino, era a terceira vez que eu via, nesta cidade, a que eu chamo de grande. Ou aquela tinta da parede a imitar rachas profundas, sem o ser, na verdade, ou assim pensámos que fosse. E eu só me lembrava dessa camada de nevoeiro nas copas das árvores, do cheiro de Monserrate, das vezes que fui ao jardim do México passando pelo Roseiral para repetir vezes sem conta que aquele era o lugar mais bonito do mundo. Das ve