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A mostrar mensagens de janeiro, 2020

25 janeiro

Ter de passar dias sem conseguir ir à sala de estar novamente, aquele cheiro morno de velas queimadas e de espaço fechado com muitas pessoas, o entra e sai dos familiares, amigos, vizinhos que salpicavam o chão com os pingos da água benta enquanto diziam algo solene em silêncio e prescrutavam o corpo do morto, o nosso cansaço cambaleante de memórias, em olhos rasos de água, de quem não consegue dormir, nem comer. O olhar fixo naquelas mãos entrelaçadas num rosário de contas, como que à espera de algo que só acontece nos filmes - ele voltar a respirar - e tudo aquilo ser um enorme engano. As pessoas que nos abraçam e tentam conforto em palavras quando, na verdade, só queremos que nos deixem em silêncio e que todo aquele cerimonial religioso termine, com os sinos a rebate, a urna pousada na pedra central do cemitério, um beijo frio na testa, antes que lhe cubram a cabeça com aquele fino véu, cerrem o caixão, o baixemos na terra e imaginemos o corpo frágil lá dentro, a mover-se, a sair f

12.01.2020

 - E por falar no telemóvel, não sei onde pus o telemóvel - disse-me ela. E eu, sabendo que falava com ela através do aparelho, fiquei sem reacção. Era um entre outros tantos sinais. Voltei ao domingo, ao meu desassossego como se algo não estivesse conforme, naquela manhã em que apanhava o comboio na estação de Santarém. Acabara de serpentear a lezíria numa manhã fria, a terra lavrada vestida de branco, manhã perfeita, diria naquele cliché-de-redes-socias-com-foto-a-acompahar, mas ficara sem dados de internet quando tentava saber mais sobre o homem bom lá da terra que se finara nas areias do deserto e continuava com aquela sensação de que o mundo não se equilibrava. Não lhe ligara no sábado à noite porque estava a jantar, porque depois fui para o espectáculo e porque depois já não eram horas. E depois passou a amanhã e meia tarde e eu sempre a pensar nisto tudo e quando liguei não passou de uma conversa sobre o tempo, como sempre. Só no dia seguinte, viria a saber das reais circun

Nunca nos vergaremos

Ao medo. Mas eu fui mais atenta a tudo, sem auscultadores para a música, mudei a rota no parque, andei apenas na zona pavimentada e não fui para a mata, onde há menos iluminação. E vi menos pessoas a passear os cães, a fazer exercício, a andar por ali, apenas. Talvez seja do frio - pensei. Tentanto afastar essa ideia dos acontecimentos das últimas semanas.  As miúdas dos elásticos presos às árvores e dos pesos estavam lá. Mas também elas mudaram de estratégia. Prenderam os apetrechos logo na primeira árvore junto à entrada, numa zona bem iluminada e com acesso à estrada ladeada de prédios.  Nunca nos vergaremos ao medo mas vamos com ele.  Reparamos mais naqueles que se cruzam connosco e fazemos a sua radiografia pessoal e social. Olhámos por cima do ombro, exactamente como quando chegamos a uma cidade pela primeira vez e ainda não a sentimos nossa. E medimos em pensamento a brutalidade a que seremos capazes caso sejamos apanhados desprevenidos, com uma faca encostada à pele, d