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A mostrar mensagens de junho, 2019

Ping Pong

Sempre que cruzo aquela cancela olho para a direita para a mesa de ping pong , lá ao fundo, junto à latada. Nunca está lá ninguém e isso é um desafio consumado. Mas hoje estava.  Dois homens, aparentemente pai e filho, jogavam com aquela seriedade de quem conta os pontos e decide de quem é a vez de começar nova jogada, atirando a bola para o outro,  fazendo-a estalar na mesa com aquele "ploc". Eu vou em modo de corrida mas isso arranca-me para horas e horas naquela Fusinato, da via Marzolo. Dá vontade de deixar a corrida e ir lá pedir para jogar um bocadinho. E lembro-me dele. Alto, magro, aquele cabelo negro em desalinho e aquele sorriso rasgado. E de todas as vezes que nos bateu em todos os torneios que organizámos naquela sala, no piso térreo do dormitório.  Pergunto-me o que será do J.. Da última vez que soube dele, pelos jornais, era o rosto de uma desgraça que lhe viria a dar páginas de jornais sobre como resgatar da dor os sobreviventes de uma tragédia. Imagino-

Bandeira da paz

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Naquele final de Fevereiro de dois mil e quatro, na noite de Carnaval, eu deixei a praça de S.Marcos nesse lamento antecipado de quem não volta às suas  ruelas, aos canais, ao cheiro da acqua alta , aos becos dos vaporettos.  Regressei, madrugada fora, à velha residência em Padova, peguei em tudo que deixara arrumado no quarto, tirei aquela bandeira da janela, entrelacei-a na mochila e segui para o aeroporto. Essa bandeira, era exactamente igual a milhares de bandeiras que se viam, por essa altura, em todas as fachadas do Norte de Itália. Eu não sabia nada sobre essa bandeira, sobre as ideias, as lutas, os movimentos, sobre as pessoas por detrás dessa bandeira. Chamem-lhe ignorância ou estupidez, o que quiserem. Também ainda não sabia, nessa altura, que viria a ter amigos que elevam uma bandeira muito parecida (troca a ordem das cores), mas ainda numa redoma de medos, reprovações, risinhos idiotas, muito culpa de uma sociedade que se diz aberta, inclusiva, mas no fundo, quando se

Mais tempo à música

Estávamos no intervalo e eu tinha acabado de me esticar na cadeira, depois daquele fervor do quarto andamento. Como não sentir cada dinâmica do que foi tingido no papel se ele está ali, quase a explodir num corpo que vai e volta, de onde quase vemos cada músculo marcado? O imenso vidro em frente deixa-nos receber o anoitecer nas árvores do jardim, iluminadas pelas luzes do grande auditório.  É então que ele se aproxima, quase de cócoras junto aos meus pés e pergunta se posso fazer chamadas com o meu telemóvel. Num instante atrapalhado menti. Disse que não tinha saldo mas ao mesmo tempo vi-lhe as mãos a tremer e não parecia ser de nervoso e acedi.  O M. tinha ar de miúdo mas cheirava muito a tabaco, uma barba muito rala e queria ligar à mãe  para a avisar que queria ficar um pouco mais no concerto. Perguntei o número, o qual  me indicou sem dificuldades e depois passei-lhe o telemóvel. Ninguém atendeu e eu tentei novamente.  A mãe atendeu e eu expliquei que iria passar ao fi

Às vinte e três, à chegada

Cheirava a cedro, em redor da capelinha e naquela escuridão não sei se teria coragem de ir até ao regato, ou às lagoas, mais acima. Sentimos aquela massa de ar frio a prever o orvalho para o amanhecer dos que lá ficam e que vão fazer crescer as histórias para contar vida fora. À ida, o susto com o coelhinho que aparece na estrada. Na volta, uma coruja  e aquilo que nos pareceu ser uma raposa. Não há luz na via e quando subimos as pequenas lombas de alcatrão, há aquele momento em que parece que ficamos sem estrada. Mas há muitas estrelas à volta e em nenhum outro lugar temos pena de que façam chegar o mínimo de civilização. Vêem-se as luzes em Caminha, lá ao fundo, mais longe ainda do que os  pontos vermelhos das eólicas que cobrem a serra. Lembro-me dos garranos e de como será para eles dormir naquela serra. Como se terão habituado a esse zoar das ventoinhas? Ainda levo na boca o sabor doce do licor de figo e já penso nessa noite de Agosto, em que o Minho encerra ali um dos seus