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A mostrar mensagens de agosto, 2019

Às duas da tarde

Aquela romaria de gente a passar na passadeira, a entrada caótica para o mercado, o lixo acumulado naqueles caixotes a gritar vergonha alheia. Ainda não ouvi falar português tirando aquela canção que vem da praceta e é na língua do gerúndio. Namorados na relva, de olho nos cães, as barraquinhas de pechinchas hippies à venda e o sol de Agosto a queimar enquanto sigo atenta ao buliço, às trotinetes e a tudo que se interpõe. E é então que o vejo, nesse cigarro das duas da tarde na sombra da esquina do prédio. Tem o olhar de que o sol de Agosto também o queima, mas por dentro. Olho-o para o ver, porque é figura de proa naquela esquina de janelas altas, paredes renovadas de arquitectura milinonária. Fica-lhe bem a jaleca e aquele momento em que ganha fôlego de olhos fechados, alheio a toda a cidade.  Ficava ali a vê-lo fumar.

armas

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E eles naquela dança dos canos cerrados, para trás e para a frente, em passadas curtas, olhos no ar e coronha no ombro (que sempre ouvi "cronha"). E eu estava novamente naquela noite dos idos oitentas, alguém a bater à janela a pedir a arma que repousava onde só um homem da casa o sabia. O mesmo medo de ouvir o disparo até que o silêncio devolvesse o uivo da desgraça. E é então que chego à praia, onde o mar se sobrepõe aos tiros do dia de caça. [ praia de Antas - Esposende // 18.08.2019]

Aquela manhã de sábado

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Era uma manhã de sábado, a chuva começou a cair miudinha ainda eu descia o pequeno caminho na encosta do castelo de Aljezur. Subiria um monte já depois de passar pelo projecto de casas de habitação integradas num qualquer financiamento europeu. Mais à frente começaria a entrar no vale queimado. O negro, o cheiro intenso de fogueira acabada de apagar, a sinalética do trilho destruída, aquela neblina a assentar naqueles resquícios de sobreiros e outras espécies que não escaparam ao inferno que por ali lavrou. Era uma manhã de sábado e ficou ainda mais triste. Ainda demorei mais de um ou dois km no meio da destruição, até cruzar a estrada e sair rumo à escarpa que contorna a terra e nos devolve aquele sentido de pequenez tal é a imensidão de água em frente e a rocha, onde estamos. Só quando desci às pedras negras que faziam a vez da areia é que vi a "Pedra da Agulha", ao fundo. A mesma rocha que se vê da Praia da Arrifana que já ficara para trás. No cima da escarpa, u

A Rua de Baixo

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Chega-se à aldeia por uma pequena estrada de terra batida ladeada de sobreiros onde estavam colados cartazes do Charlie Brown com a indicação "please, drive slowly" . Quem serão aquelas pessoas que vivem em auto-caravanas, sem acesso a água potável, em pequenos terrenos delimitados por cercas de canaviais secos, com hortas geometricamente plantadas e com carros semi abandonados nos caminhos, sem matrícula? Quem serão estes outsiders dos sistemas, das políticas, das crises, do mundo burocrata onde vivemos? Qual é a sua casa? Se lhe perguntarmos, dirão que são do país onde nasceram ou são da terra que lhes dá sustento? Ou do céu sem chão, que não impõe fronteiras, nem barreiras de identidade? Depois de atravessar a rua das casas brancas - a rua de Baixo - há um pequeno largo com uma oliveira e uma caixa de correio comunitária de onde saem bocados de panfletos de promoções amareleçidos pelo sol. Mais abaixo um homem de avental senta-se no átrio do  café-restaurante e acend