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A mostrar mensagens de dezembro, 2017

A carta

Na foto impressa a Isabel estava junto ao presépio, pernas meio à chinês e, segundo ela, era do Natal de 92. Na carta vinha uma outra fotografia com bungavílias e teria sido registada pelo filho nesse Verão, no parque de Aveiro. Passaram vinte e quatro anos sobre a data daquela correspondência e hoje, ao descobrir essa carta, perguntei-me qual terá sido a história da Isabel, quantos Natais passou com o filho, onde viverá se o destino não a tramou,  ainda gostará de trocar correspondência com pessoas de todo o mundo?

Amanhã, hoje não

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Quando o vento assobia nas janelas eu já só penso no amanhã, sem me despegar desta solidão de hoje. Solidão de querer silêncio, de querer fazer muitas coisas mas sem sair desta bolha do "deixei-me estar". Às vezes apetece mandar parar o tempo para que quando quiser voltar a sair portas não tenha corrido um minuto que seja. Nunca é assim. E ainda bem. Estaria demasiadas vezes nessa batota. Trouxe Hemingway da estante do N. e agora não o consigo ler. É sobre África e começou sobre caça e agora já não há nada fazer. Porque nem sinto apelo por África, muito menos por caça. Procurei outro livro hoje, enquanto fugia dessa loucura colectiva de um centro comercial numa manhã de domingo, mas o corpo pedia sofá e ouvir Georgia. A cabeça a latejar e desisti nesse brusco encontrão com as pessoas que sobem uma escada rolante e param no topo. No caminho, o doce apelo dos cheiros do mercado de Natal desajeitado. E nessa mistura de festa popular com feira medieval desejei aquela que

O Zé do vale queimado

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Voltámos. Na dureza do frio, o vale queimado continua lá mas com mais esperança em tudo o que já se renovou, construiu e reproduziu. Doem-nos as mãos, na aspereza e dureza das tarefas de um dia. É um dia apenas. Não nos enganemos. Nunca nos enganemos! É nisso que penso quando vejo aquele olhar do Zé pastor. E ele não tem essa sorte de ser apenas um dia. De corpo frágil, olhos meios claros e aquela figura que resvala da matreirice para a clemência de um abraço. Aquele olhar vago, que vê uma terra que não é a sua mas que lhe dá muito mais do que essa onde nasceu. É um olhar de perda, de cansaço, de solidão e desamparo. Ou então é o Zé apenas. De roupas miseráveis, cheiro a borrego, mazelas no corpo dos vícios que não curam a alma. Não tem ídolos e não conhece aqueles a quem choram na TV, não sei se sabe ler ou escrever mas aparenta o dobro da idade que tem. Mesmo que não voltemos é por ele que vou perguntar. O resto está muito bem encaminhado.