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A mostrar mensagens de fevereiro, 2020

No tapete, a lembrar Krommer

Ela tem uma voz firme mas doce.  Tento abstrair-me dos milhões de ácaros que podem povoar aquele colchão esponjoso e respirar a preceito. Toca-me nas costelas e diz-me para eu prolongar a expiração do ar. Ela não sabe que eu troco "inspirar" com "expirar" desde pequena. Na mesma medida que troco "chicken" com "kitchen", desde graúda.  E eu voltei à sala húmida do segundo andar daquela prédio que já fora um centro de saúde, onde todos os sábados ele me dizia que eu precisava de respirar pelo diafragma. E pressionava aqueles dedos sapudos na minha barriga para depois dizer que eu não estava a respirar no compasso certo. Um dia, disse-nos para levar pacotes de açúcar ou de arroz com mais de um quilo. Deitamo-nos no chão, os sacos em cima do diafragma e tínhamos de respirar, soltando o ar e mantendo os sacos quase imóveis. Ele também não sabia que eu não conseguia nadar em mariposa por causa da respiração. Ele dizia quase sempre "não é a

Cinco segundos de um rio

O meu medo de voar não tem exactamente a ver com o medo de morrer. Tem sim, a ver com o medo de enfrentar o sofrimento, nesses cinco, dez segundos ou a exacta medida em que se dá a desfragmentação do que somos. Será um colapso apenas? E enquanto a Chiara varria os céus da Europa e o nosso pequeno avião parecia desintegrar-se, eu tentei abstrair-me e peguei na revista de bordo. Foi quando vi uma fotografia do Tejo com aquela neblina a desvendar o Cristo Rei e a ponte  naquele porte indestrutível e eu pensei que se morresse seria com vista para o rio, desde a ciclovia com Pessoa eternizado, para onde fujo da cidade apertada de medos do mundo.