Mais tempo à música


Estávamos no intervalo e eu tinha acabado de me esticar na cadeira, depois daquele fervor do quarto andamento. Como não sentir cada dinâmica do que foi tingido no papel se ele está ali, quase a explodir num corpo que vai e volta, de onde quase vemos cada músculo marcado? O imenso vidro em frente deixa-nos receber o anoitecer nas árvores do jardim, iluminadas pelas luzes do grande auditório. 
É então que ele se aproxima, quase de cócoras junto aos meus pés e pergunta se posso fazer chamadas com o meu telemóvel.
Num instante atrapalhado menti. Disse que não tinha saldo mas ao mesmo tempo vi-lhe as mãos a tremer e não parecia ser de nervoso e acedi. 
O M. tinha ar de miúdo mas cheirava muito a tabaco, uma barba muito rala e queria ligar à mãe  para a avisar que queria ficar um pouco mais no concerto. Perguntei o número, o qual  me indicou sem dificuldades e depois passei-lhe o telemóvel. Ninguém atendeu e eu tentei novamente. 
A mãe atendeu e eu expliquei que iria passar ao filho. 
Breves minutos sempre naquela tremura, a desculpar-se e que iria ficar mais tempo para a segunda parte. Desligou e agradeceu. Voltou ao seu lugar que viria a trocar por um lugar mais à frente. 
Quem será aquele miúdo? E aquela mãe? Que efeito terá a música, para ali estar de olhar rendido, o único que lhe obedece naquele corpo intermitente?


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