Mulher

 Ela praticamente tinha tudo. A clareza das coisas,  sobretudo isso.  Mas não percebia bem aquele desconforto diário,  um peso brutal sobre a cabeça, sobre os ombros. Não era físico,  vinha de dentro. E depois tudo à volta era um quadro de Nery, esmagador em padrão. No trabalho,  entre os amigos e família, a rua, os feeds do mundo. Tudo deveria exceder tudo, ser o superlativo da beleza, do profissionalismo, da vida social, do empoderamento. E o corrector a insistir com o empacotamento. Se calhar, é isso. Rebobinar as virtudes dos magos e dos que magoam também. E ela, ali, de janela aberta a fumar a vida, concentrada naquilo que é ser apenas. Existir.

O declínio em pessoa. Sem conseguir perceber o que realmente lhe fez estar horas na janela do último andar, à noite, a pensar no que fazer a seguir.
Como tirar aquele saco plástico dos galhos da árvore, que há semanas luta contra o vento?

[ #mulher ]

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