No tapete, a lembrar Krommer


Ela tem uma voz firme mas doce. 
Tento abstrair-me dos milhões de ácaros que podem povoar aquele colchão esponjoso e respirar a preceito. Toca-me nas costelas e diz-me para eu prolongar a expiração do ar. Ela não sabe que eu troco "inspirar" com "expirar" desde pequena. Na mesma medida que troco "chicken" com "kitchen", desde graúda. 
E eu voltei à sala húmida do segundo andar daquela prédio que já fora um centro de saúde, onde todos os sábados ele me dizia que eu precisava de respirar pelo diafragma. E pressionava aqueles dedos sapudos na minha barriga para depois dizer que eu não estava a respirar no compasso certo. Um dia, disse-nos para levar pacotes de açúcar ou de arroz com mais de um quilo. Deitamo-nos no chão, os sacos em cima do diafragma e tínhamos de respirar, soltando o ar e mantendo os sacos quase imóveis. Ele também não sabia que eu não conseguia nadar em mariposa por causa da respiração. Ele dizia quase sempre "não é assim, estás a fazer mal".
Ela diz que o importante "é respirar". 
O mesmo que eu dizia, a mim própria, nesses anos idos enquanto me esforçava por não desistir de Krommer.


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