25 janeiro
Ter de passar dias sem conseguir ir à sala de estar novamente, aquele cheiro morno de velas queimadas e de espaço fechado com muitas pessoas, o entra e sai dos familiares, amigos, vizinhos que salpicavam o chão com os pingos da água benta enquanto diziam algo solene em silêncio e prescrutavam o corpo do morto, o nosso cansaço cambaleante de memórias, em olhos rasos de água, de quem não consegue dormir, nem comer. O olhar fixo naquelas mãos entrelaçadas num rosário de contas, como que à espera de algo que só acontece nos filmes - ele voltar a respirar - e tudo aquilo ser um enorme engano. As pessoas que nos abraçam e tentam conforto em palavras quando, na verdade, só queremos que nos deixem em silêncio e que todo aquele cerimonial religioso termine, com os sinos a rebate, a urna pousada na pedra central do cemitério, um beijo frio na testa, antes que lhe cubram a cabeça com aquele fino véu, cerrem o caixão, o baixemos na terra e imaginemos o corpo frágil lá dentro, a mover-se, a sair fora daquelas almofadas, a desintegrar-se e nós lançarmos um punhado de terra para cumprir esse designío de que sempre ouvimos falar "és pó e ao pó voltarás". E esperar, convictos, de que o tempo fará a sua parte sem fraudes.
Era isto que eu antevia, naquele dia 24 de Janeiro de 1997, enquanto lhe engraxei os sapatos para, no dia seguinte, saber que a pessoa mais importante me morrera.
Meu querido avô.
Meu querido avô.
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