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[ o R ]

 Érrrrrrrr. Recorda o R, que não resvale o R. Riso, ritmo, rio. Romance, romã com canela. Ricochete, recordações, reparos. O R da rua, da Rita da balada, Põe-te em guarda ao R. O rato, roeu a rolha do rei de Roma Não gosto do frio, Nem da redoma do R. Um reduto dos dias Razia, rudeza de rotina ruim. Ruir numa espécie de requiem. 

#númerovinte

 Os últimos dias confirmaram-lhe uma série de intuições e ela continua sem acertar nos números do euromilhões. A distância a que se obrigou veio daquela obsessiva basófia que vinha do outro lado e que já se tornava muito mais do que insuportável. Lembra-se da foto, do dia e do propósito para o qual ela foi tirada. E depois, aquele olhar da mulher morena, a desafiar quem estava por detrás da máquina, um olhar cúmplice, gozão, atrevido e de cumplicidade. E ela anteviu tudo desde esse dia. 

[ a porta nobre ]

Parecem borboletas verdes, em redor da Choupana em flor. Os meus olhos não creem mas é assim há meses.    Em contraste, mais adiante, o amanhecer de quem vive na rua, do banco de jardim transformado em casa, ou mais adiante ainda, quando fizer a linha de Xabregas, onde há cada vez mais tendas, com mesinhas de centro improvisadas com fruteiras.   Desço ao Marquês e enquanto não abre o sinal, ele está do lado de lá, de ramo de flores campestres, embrulhadas em papel pardo. "São bonitas" - arriscar-me-ia a dizê-lo, mas sigo caminho.   O ponto de água, mais além, a espelhar o sol de inverno embora já esteja no verão quem passa a correr, sem tshirt, nessa pequena bolha de aerossóis. Era bonita, a bolha.   Está fechada a porta nobre, com fitas de cena do crime, como de resto muitos lugares da cidade, os bancos do jardim, os apetrechos dos parques, os varandins, os lugares das selfies.    Já não me rogam com louro prensado.  Est...

[ almoços tardios ]

  Às vezes almoça-se noutros fusos horários e cometemos essa loucura de ir à rua.  Sim, como os cães,  para esgravatar com as patitas traseiras na terra. Hoje, por acaso não esgravatei. Deixei  somente o lixo no devido lugar e contornei o prédio para ir ao encontro desse mundo fora do mundo. Começou a soar "Ai  ai, Maria, gosto de ir à tua padaria", do poeta Joaquim Barreiros, e reparo que vem de uma carrinha onde se lê "Pão regional Alentejano".  Esse comércio à porta, que ainda existe nos lugares de onde vimos. Como os peixeiros com as suas carrinhas de buzina sonora, a dar-nos troco em dinheiro com escamas de peixe. As mulheres que vendem fruta sem estar apalpada. Ou, mais do passado, as peixeiras a vender a sardinha à canastra e a percorrer as ruas a pé. Ou a senhora que vinha com as padas e as bicas (não,  não era café) e levantava do carrinho de mão, o pano branco bordado, para vermos pão a sério. Hoje,  ali estava uma dupla, a apregoar ...

[ Domingos baços, in O Livro das Caras ]

 A casa cheira a sopa e as janelas com aquele baço onde apetece escrever um palavrão, precedido de hastag. A banda sonora é "sad classic" e um adágio para cordas pode ser tão triste que sobe um rio no olhar. E não tenho dor física mas pergunto a quem a tem e pudesse eu fazer alguma coisa... A casa cheira a sopa e penso no Senhor Francisco, ainda há pouco, de jornal debaixo do braço, queixoso do tempo e das notícias, mas de olhos mais vivos que os meus. Entra no elevador e diz " não se importa, pois não? Afinal, estamos de máscara."

[ redomas ]

 Às vezes não sei em que dia da semana estou, tento estender os dias, sair nas horas dos morcegos, mas tudo nos contraria. Ou acabo a correr com lume nos pés e oiço do polícia "isso não é com a gente".  Agente ou a gente?  Às vezes eles sobem a rua a uma velocidade louca, aquele uivo a cortar a manhã ou a tarde...Nunca lhe fico indiferente porque quem vem de uma aldeia, quando uma ambulânica se anuncia nunca traz de arrasto a indiferença. Uma, cinquenta, trezentas vezes... Às vezes os dias são a galope e as noites a trote. Às vezes o cavalo não pára, as luzes azuis enchem a sala, e acabo a pensar que as quatro paredes farão de mim esse cavalo no jardim,  em "Pára-me de repente o pensamento".

as obras à janela, desde Março

 Não chove, não faz frio, Não há dias quentes, ou ventosos, Não há mortos nem feridos, nem assim-assim, Não há números, nem regras, nem surtos, para os homens que serpenteiam os futuros telhados do aldeamento de luxo Saem de véspera, de mãos gretadas nos bolsos, Fortes e frágeis. Não há primeira vaga, segunda, terceira, Há domingos, apenas.