[ almoços tardios ]

 Às vezes almoça-se noutros fusos horários e cometemos essa loucura de ir à rua. 

Sim, como os cães,  para esgravatar com as patitas traseiras na terra. Hoje, por acaso não esgravatei. Deixei  somente o lixo no devido lugar e contornei o prédio para ir ao encontro desse mundo fora do mundo.
Começou a soar "Ai  ai, Maria, gosto de ir à tua padaria", do poeta Joaquim Barreiros, e reparo que vem de uma carrinha onde se lê "Pão regional Alentejano". 

Esse comércio à porta, que ainda existe nos lugares de onde vimos. Como os peixeiros com as suas carrinhas de buzina sonora, a dar-nos troco em dinheiro com escamas de peixe. As mulheres que vendem fruta sem estar apalpada. Ou, mais do passado, as peixeiras a vender a sardinha à canastra e a percorrer as ruas a pé. Ou a senhora que vinha com as padas e as bicas (não,  não era café) e levantava do carrinho de mão, o pano branco bordado, para vermos pão a sério.
Hoje,  ali estava uma dupla, a apregoar o pão do Alentejo e a perguntar se não desejo "um pãozinho ".

Digo-lhes que não tenho carteira e levo com um "paga da próxima,  não seja por isso".
Ainda não estará tudo perdido se pudermos comprar pão fiado, numa rua esconsa de Lisboa que se faz de menina e moça da aldeia. E a ouvir música-poesia que ainda estou para ver como a exorcizo.

[ almoços tardios, in o Livro das Caras ]

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