Bubu...ad eternum!

Já lá vão 11 anos. Tantos quantos tem a bisneta que já não chegaste a conhecer. E outros viriam.
Talvez nos vejas, nos protejas, não penso muito nisso... Penso sim, no bem que sempre me fizeste, no pai que foste.
Acho que é a 2ª vez que escrevo sobre ti, mas não me lembro do que escrevi na 1ª vez.
Sempre me lembro de ti, a cuidar de ti, contigo pela casa, a dificuldade no andar, as histórias para contar, as tardes a vaguear pelo quintal, do tempo que foste ocupando num quarto demasiado pequeno, das bolachas de morango que me pedias e que sempre te deixava à cabeceira, com a garrafa de água, os remédios, as "gotas" como lhe chamavámos. Foste perdendo a visão e foi preciso dar-te tudo na mão, depois foste ficando cada vez mais fraco, deixaste de nos reconhecer mas sempre chamaste pelo meu nome. E isso não esqueço.
Não esqueço o que passaste, o que sofreste, tudo o que ias suportando de um filho que nada mais soube do que te culpar de um presente e de um futuro que não teve, que nunca quis construir, lutar por ele e encontrou em ti a desculpa para o seu fracasso.
Um fracasso vil, pegajoso, que ainda hoje é insuportável.
Mesmo que algum dia tivesse saído daqui não seria nada mais do que é hoje, do que foi contigo, do que é para nós.
As tuas histórias de 9 anos do Brasil, as tuas fotos, os teus casamentos, eras (e és)bonito, com ar de galã de cinema, como sempre disse. Faltava-te a saúde e ano após ano criaste em mim uma angústia que só mais tarde percebi que era o receio da perda,da chegada desse dia em que cuidei da casa com uma lucidez terrível do que estava para acontecer, a tua partida. Uma angústia vivida sempre que ias para o hospital,no dia em que caiste e fiquei contigo nos braços a chorar, sem saber o que fazer.
Foste ficando pequenino, tal como eu era quando me davas o leite no biberon, naqueles bancos improvisados da cozinha, ou do que se dizia ser a cozinha...e quando caí e cortei o meu lábio e choraste tanto ou mais do que eu, e de quando me chateava contigo e dizia que quando morresses levava a banda de música, e tu rias e o meu mau feitio passava daí a pouco. Nunca o perdi, sabes? Mas não gostava nada quando andava uma manhã inteira de joelhos a lavar o chão e depois alguém passava, sem limpar os pés...ainda hoje não gosto, também já não sou a "empregada da limpeza", sempre a limpar para ninguém ajudar. A casa já não está na mesma, o teu quintal já não está na mesma, a vinha que tratávamos desapareceu e as árvores de fruto algumas sobrevivem...mas não vivem. Mudou tudo, ou quase tudo! Tu bem sabes...
Há coisas que se mantêm, infelizmente...
Agora não estou muito por aqui, passariam 5 anos em que, se cá estivesses, ias perceber que vinha pouco a casa porque preferia ficar pela cidade dos estudantes, ias perceber que escolhi e segui o caminho dos livros e das papeladas, como dirias tu e hoje tenho um pouco daquilo que às vezes teatralizava na cozinha, com divisórias inventadas, telefones imaginários que tocavam, papéis e mais papeis que, naquele mundo de faz de conta, eram o que significavam para mim um trabalho. Era o trabalho de secretária, aliado ao de modelo e de mulher e dona de casa. Só de lembrar rio-me. Hoje, bem sabes, que consegui uma pequena parte desse trabalho de secretária...mas mais sério, com telefones reais a tocar e problemas a sério para resolver e soluções para apresentar...de resto mais nada.
Mais uns tempos e conhecerias o "quase meu marido", receberias telefonemas e postais de Itália e saberias que em pouco tempo colocaria dúvidas na minha cabeça, tomaria decisões difíceis e terminaria o curso, o que tanto sonhei, e que nunca ninguém deu o devido valor...aliás, bem sabes, que ainda agora existem pessoas que me dizem que estudei tanto para estar numa fábrica...não as condeno...porque nem imaginam que a "fábrica" é mais do que um laboratório, do que uma sala de aula, do que quer que seja! E, no fundo, nem sabem o que isso é! Passaria pouco tempo para me veres "cartolada", a mudar-me para outra cidade, a conhecer o trabalho que tenho hoje, em jeito de "sorte" disfarçada e a ver-me "cair" realmente num fosso que, pela primeira vez na vida, pensei não ser capaz de ultrapassar. Ias perceber o quanto foi difícil perder amizades, ou lá o que fosse, sentir-me só e deixar de acreditar em alguns valores.
Mas importa viver, sorrir, acreditar, sonhar e lembrar que tenho o maior orgulho em ti, e agradecer-te por tudo.
Ad Eternum Bubu...nunca disse o quanto gostava de ti, dizê-lo mesmo a ti, porque bem sabes que nunca fomos habituados no carinho, na ternura, na partilha de um abraço...nas demonstrações de afectos.
De qualquer modo, lês no meu coração, Ok?

Comentários

  1. Bonita homenagem in memoriam ao teu Bubu. A vida é assim ainda há pouco tempo éramos crianças, mergulhados em sonhos e esperanças, embalados por muita gente que já partiu, e agora somos homens e mulheres feitos. Agora podemos realizar tudo que sonhamos e honrrar os ensinamentos que nos transmitiram.
    Ao Ler a Tua "carta" também me lembrei de gente da minha familia que já partiu, que me ensinou muito, e depositou em mim uma grande esperança.
    Espero que tu realizes tudo que sonhaste, que sejas fiel aos ensinamentos que te transmitiram, pois só assim és uma pessoa autentica e coerente contigo e com os outros.
    Eu tento fazer o mesmo...apesar de muitas vezes ser extremamente dificil , tento ser cumpridor de sonhos e de metas, fonte de felicidade e de amizade, dono de algum coração que me queira acolher e repartir alguma felicidade...um grande de interior dentro de um corpo mais ou menos bonito.
    Acredito que sejas tudo isso e que o teu bubu se orgulhe muito de ti esteja onde estiver.


    Quanto aos meus é apenas lembrança, ainda não lhes escrevi, a contar como tenho passado....


    Duarte Neiva Ferreira

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  2. "existem pessoas que me dizem que estudei tanto para estar numa fábrica"

    E eu?! Que andei 5 anos a tirar um curso para ir pás obras!!! :p

    Deixaste-me sem palavras, linda... Bonita homenagem... sentida... vivida... com muito de ti :)

    Beijos

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