De olhos postos no mar...

Sentados nas montanhas de pedrinhas, à procura de seixos multicolores, de diferentes feitios e de diferentes texturas.
À volta, pessoas aqui, pessoas ali, crianças com sorrisos rasgados de quem antecipa a estação dos banhos de sol, das brincadeiras na areia e do chapinhar constante.
Os cães correm e enfrentam as ondas que vão desenhando recortes na areia e trazem e levam as pedrinhas, e nadam para trazer o pedaço de madeira que o dono antes lançara. E repetem o treino vezes sem conta, e sacodem o pêlo quando regressam e voltam, e as crianças riem e ficam contentes com as habilidades. Dizem que é o cão da polícia e atiram pedrinhas para o cão buscar ordeiramente, o cão aproxima-se e as crianças gritam num misto de medo e excitação.
E está um tempo perfeito, um sol quente, sem o vento tão característicos dos dias de verão, nestas praias do norte.
É bom recordar o que a praia foi outrora, a ausência das pedrinhas, o imenso areal, a possibilidade dos longos passeios ao pé da água, mesmo quando maré alta. Agora não, tudo é diferente, mas mesmo em cima das pedrinhas é bom estar assim...de olhos postos no mar.
- Tia Nela, Tia Nela, olha esta... dá para pintar, é lisinha, olha esta é cor de tigre, esta parece um rebuçado e é brilhante!
E entre pedrinhas e salpicos de água é nestes momentos que apetece esticar o tempo, até nunca mais, não deixar que o sol se poise, que venha um amanhã diferente.
E estando assim, gozando esta liberdade de regras de horários, de tarefas determinadas e de urgência de ideias, relembro que isto só é possível porque outrora muitos se insurgiram, lutaram e vieram para a rua. Nós que nos sentamos nas pedrinhas ganhámos um dia feriado que nos permite estar de olhos postos no mar, mas 34 anos atrás a conquista foi a de um bem maior, a liberdade.
E preparava-me eu para explicar o porquê de hoje não haver escola, de muitas pessoas não trabalharem mas a pequena sessão de história terminou.
- Olha, olha é um barquinho lá muito longe!
E era, um pequenino ponto no horizonte, mas era um barquinho que, a pouco e pouco, foi passando. Será o barco desse sonhador de marés e viagens sem fim?
- Tia Nela, Tia Nela já alguma vez andaste de barco?
- Assim, num barco pelo mar não. Já andei no rio e no mar só de bote de borracha.
- Mas olha, não precisas de andar para sonhar com isso, imaginares como é.
De olhos postos no mar, observamos os voos rasos das gaivotas, o barco que vai rumando cada vez mais a norte, as ondas fortes da maré que está a subir, as pequenas boias das redes que baloiçam lá ao fundo.
A tarde avança e o regresso contempla o gelado, a caminhada até casa, um cansaço bom e as marcas do sol.
Hoje foi assim, de olhos postos no mar.

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