Sobre a Páscoa

Para mim a Páscoa era sempre à segunda-feira. Dia em que pelas 09h00 soava a campainha no caminho de acesso a casa, os cães ficavam em alvoroço e as pessoas que aguardavam no exterior da casa entravam para a sala para receber o padre, o "mordomo" que carregava a cruz enfeitada de flores e os miúdos da campaínha. Era isto por toda a freguesia nos dois dias em que se celebrava a Ressurreição de Cristo e as mesas fartas de comida e o ritual de visitar as casas dos familiares e amigos para receber o compasso e, acima de tudo, aconchegar a barriga com comida que daria para um mês.
E foi assim durante muitos anos, até que o padre se retirou dessa missão de visita pascal e muitos houveram que fecharam as portas à tradição da Páscoa.
Nos meus tempos de escola e de faculdade toda a gente ia de férias na Páscoa, uns para a neve, outros para destinos mais ousados, outros para a terra da família, aproveitava-se para fazer trabalhos de grupo pendentes e estudar para exames e eu tinha duas belas semanas pela frente de limpezas árduas de casa, com direito a banhos de líxivia até que ficasse sem pele nos dedos de tanto esfregar, móveis passados ao centrímetro com óleo de cedro, paredes pintadas, tudo limpo e brilhante com cheiro a lavado. Lembro-me que um ano fiquei com uma tendinite no pulso direito porque lavei todos os vidros das janelas à mão, pelo menos duas vezes. Sim, sempre fui demasiado perfecionista nas limpezas. Aliás, tenho uma teoria de que se algum dia tiver de depender das limpezas para ganhar dinheiro ninguém me contratará com pagamento à hora porque demoro imenso a limpar e faço tudo umas duas vezes para me certificar que fica tudo bem limpo.
 No domingo de Páscoa à noite deitava-me de madrugada para lavar copos, travessas, pratos e fritar rissóis, bolinhos de bacalhau e derivados, cortar os chouriços e os presuntos e dispor todo aquele banquete na mesa que estaria disponível depois das bênçãos e Aleluia.
Ao almoço já não havia fome mas servia-se o cozido à portuguesa e à tarde a demanda pelas casas continuava.
A Páscoa era também sinónimo de celebrações noturnas da semana santa na quinta e sexta-feira, em que a banda saía a tocar em marcha lenta e passo triste nas ruas de Esposende. No silêncio da noite e na pouca luz das ruas ouviam-se os machados dos bombeiros a bater na calçada e a marcha marcada pelo rufo da caixa. E as pessoas saíam à rua para assistir à via sacra.
Hoje, depois de um dia de chuva, de um almoço com colegas de trabalho e de uma passagem pelos pastéis de Belém posso dizer que já foi a Páscoa?

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