Primeira vez

Pela primeira vez em toda a minha curta existência vou endividar-me.
Não, não vou comprar ou construir uma vivenda de sonho, nem tão pouco comprar um T1 num qualquer subúrbio manhoso, não vou comprar carro novo porque deixei de ter carro próprio, não vou fazer a minha viagem à Patagónia nem tão pouco uma volta ao mundo, vou estudar, isso mesmo, estudar novamente.
Se há coisa que sempre gostei foi de estudar, de ter livros à minha volta, matérias fáceis ou difíceis, estudar foi sempre o meu refúgio, o meu escape e gosto de aprender sempre mais, mesmo sabendo que a minha memória me trai cada vez mais.
Gostaria de dizer que me vou endividar porque vou sair do país para fazer uma nova licenciatura ou algo diferente mas a dívida seria demasiado grande para algum dia conseguir pagá-la.
Infelizmente fico-me por cá, com um programa de gestão onde espero poder abordar temas que me permitam ser melhor no meu trabalho. E quando digo melhor é fazer as coisas bem feitas, crescer pessoalmente e profissionalmente. Não estudo para ter títulos, para ganhar mais nem tão pouco para encher o CV. Estudo porque gosto de aprender, porque gosto de resolver problemas e, acima de tudo, porque me motiva.
Neste momento tenho trabalho, não sei até quando, não sei o que o futuro me reserva daqui a um mês, não tenho empréstimos para pagar, não tenho filhos (infelizmente) para educar e tem sido impossível poupar muito dinheiro. Faço uma vida normal, não tenho gastos supérfluos, não compro roupas caras e abomino compras de mulheres estéricas em época de saldos. Uso o mesmo par de botas há mais de 3 anos e não tenho jóias, nem tão pouco objetos de valor. Tenho medo que o meu pc se apague definitivamente porque não terei dinheiro para o substituir. Tenho um telemóvel com acesso à internet porque é o telemóvel de serviço, caso contrário, teria um básico que permite chamadas e sms´s.
 Gasto mais em viagens entre Lisboa e o Norte do que em programas de cultura. Não me privo de ir ao teatro quando há oportunidade e gosto de ir ao cinema e jantar fora. Não me privo disso e assumo-o, mas prefiro isto a ter dinheiro numa conta para uma eventual doença. Quando adoecer, deixei-me morrer num qualquer hospital do estado e enterrem-me. Há muita gente para me substituir. Se tivesse filhos seria diferente, viveria para eles, para lhes dar uma educação e conseguir que tivessem o melhor. Adoro viagens e gostava de viajar muito mais mas não há orçamento. Eu tinha um PPR e acabei com isso porque perdi a cabeça e fui de férias para Itália. Não sou agarrada ao dinheiro  mas também sei o que custa a ganhar e sei o valor de cada coisa e por isso nunca gastei mais do que tinha. Passei por alturas complicadas na faculdade, houve dias que não tinha moedas nem para comprar um pão seco. Tive pessoas muito boas que me ajudaram e tive sempre esse lema de que o dia seguinte seria melhor do que este. Nem sempre foi assim.
Quando vim para Lisboa vim ganhar menos e com muitas mais despesas (deveria ter sido melhor a negociar). No início quase todos os meses gastava mais do que ganhava e valeu-me o dinheiro que tinha amealhado em cinco anos do meu primeiro trabalho. Não consegui arrendamento jovem e quase me senti rica quando vi a candidatura negada. Ir a especialidades médicas é sinónimo de ficar a arder ainda o mês mal começou.
Foi e é frustante e sei que no dia em que ficar sem trabalho nunca mais vou ganhar o que ganho atualmente e provavelmente nesse dia acabará a minha independência porque é impossível pagar renda e contas com salários tão baixos.
Quando pesquiso cursos, mestrados ou pós-graduações os valores das propinas é assustador. Há programas a custarem cerca de 11.000 euros.
É impossível aceder a isto sem recorrer a financiamento e só espero que não me crucifiquem porque pedi um empréstimo para estudar. Não vivo constantemente acima das minhas posses mas vivo num país onde estudar é caríssimo e onde as perspetivas são cada vez menores.

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