Resume
A gente nasce e cresce numa família humilde, todos habituados a trabalhar na terra e a saber o que custa a vida a ganhar. (Não me venham com discursos de valores, referências e de saber o preço que as coisas têm porque sempre soube o que foi ter o dinheiro contado, não ter acesso a roupas de marcas, não ter dinheiro para levar para a escola para comprar Bolycaos ou batatas fritas onde saíam os "pega-monstros".) A gente vivia em condições miseráveis, com pais a pedir dinheiro muitas vezes para manter o orçamento, para ir todos os meses "à caixa pagar as cotas" (vulgo segurança social) e para ter comida na mesa. A gente nem sabia se ia poder continuar a estudar mas agarrava-se aos livros na esperança que dali saísse um futuro melhor. Um futuro melhor do que trabalhar de sol a sol para não ter absolutamente nada. A gente nem sabia se ia para a universidade nem tão pouco para o secundário mas acreditávamos tanto! E pediam-se bolsas de estudo e a Gulbenkian ia fazendo acreditar que se estudasse cada vez mais haveria sempre uma compensação. E aceitavam-se biscates de trabalhar em supermercados e tascas manhosas, a aturar bêbados, por uns tostões que valeriam para comprar pouco ou quase nada.
E um dia, pelas mãos de amigos, conheci a Velha Coimbra em pleno arraial da "Latada" e percebi que era ali que eu haveria de aterrar um ano depois, num curso que foi escolhido por sorte ou por acaso mas que sabia que haveria de acabar em tempo útil. E a gente volta a pedir apoio e bolsas de estudo e vive em condições precárias e pouco ou nada se identifica com os "meninos bem" que povoavam os velhos claustros, ali para os lados da rua do colégio novo.
A gente mete na cabeça que haveria de ir estudar lá fora e que se dormisse na residência mais velha do norte de Itália haveria de superar o frio que entrava pelas janelas partidas e haveria de trazer de lá o mix que é viver e estudar fora e conhecer um pouco mais do que aquilo que o nosso país nos dá. E depois, vem o último ano em que se vai estagiar para Aveiro, é-nos exigido manter dois quartos porque as aulas continuam em Coimbra e vive-se entre duas cidades mas acreditando que depois desta etapa haveríamos de conseguir trabalho e a recompensa final.
E termina-se o curso com melhores e piores notas e entra-se no mercado de trabalho e percebemos que todo o dinheiro gasto em fotocópias na D. Alice foi um custo afundado e que os textos teóricos do Professor Alferes em nada nos serviam quando estávamos perante uma fábrica com mais de cem pessoas todas diferentes, com problemas diferentes e nas quais era preciso injetar produção e motivação. E começam as dificuldades e volta-se a estudar até às tantas para perceber os meandros do direito do trabalho, com o qual, por erro ou omissão não fomos brindados na faculdade.
E "damos o litro" e choramos em casa sem saber o que fazer, e vivemos deslocados da família e dos amigos em cidades que pouco ou nada nos tocam os sentidos, e não temos horários, e fazemos sempre mais e estamos sempre dispostos a aprender mais e mais.
E vamos estudar novamente e fazem-se Km´s sem fim, noitadas em trabalhos de grupo e pagam-se propinas desalmadamente, mesmo que nem sejamos gastadores de água e luz nas universidades.
E muda-se de trabalho porque apenas se conhece uma realidade profissional, porque há outros setores, porque é necessário sair da zona de conforto, é preciso arriscar e acreditar na mudança.
E mudo-me para a zona do país onde nunca quis e imaginei trabalhar (Lisboa) e é aqui que dou o maior tropeção de todos! Não mudei porque vim ganhar mais, pelo contrário vim perder sempre mais e assim vou continuar. E se era esta a fatura que me estava reservada pois bem...olho para trás e não vejo em que é que lesei o setor público, o Estado ou até mesmo o país. Não sei o que são descontos para subsistemas especiais, seguros de vida ou de saúde, a empresa onde trabalho não recebe um cêntimo do orçamento de estado mas ainda assim encontro-me entre os milhares contemplados pela "interpolação linear", algures proposta num tal artigo que ditará mais um passo atrás.
E a gente olha para tudo isto e pergunta que gente foi e é esta que (des)governou um país durante décadas?
E um dia, pelas mãos de amigos, conheci a Velha Coimbra em pleno arraial da "Latada" e percebi que era ali que eu haveria de aterrar um ano depois, num curso que foi escolhido por sorte ou por acaso mas que sabia que haveria de acabar em tempo útil. E a gente volta a pedir apoio e bolsas de estudo e vive em condições precárias e pouco ou nada se identifica com os "meninos bem" que povoavam os velhos claustros, ali para os lados da rua do colégio novo.
A gente mete na cabeça que haveria de ir estudar lá fora e que se dormisse na residência mais velha do norte de Itália haveria de superar o frio que entrava pelas janelas partidas e haveria de trazer de lá o mix que é viver e estudar fora e conhecer um pouco mais do que aquilo que o nosso país nos dá. E depois, vem o último ano em que se vai estagiar para Aveiro, é-nos exigido manter dois quartos porque as aulas continuam em Coimbra e vive-se entre duas cidades mas acreditando que depois desta etapa haveríamos de conseguir trabalho e a recompensa final.
E termina-se o curso com melhores e piores notas e entra-se no mercado de trabalho e percebemos que todo o dinheiro gasto em fotocópias na D. Alice foi um custo afundado e que os textos teóricos do Professor Alferes em nada nos serviam quando estávamos perante uma fábrica com mais de cem pessoas todas diferentes, com problemas diferentes e nas quais era preciso injetar produção e motivação. E começam as dificuldades e volta-se a estudar até às tantas para perceber os meandros do direito do trabalho, com o qual, por erro ou omissão não fomos brindados na faculdade.
E "damos o litro" e choramos em casa sem saber o que fazer, e vivemos deslocados da família e dos amigos em cidades que pouco ou nada nos tocam os sentidos, e não temos horários, e fazemos sempre mais e estamos sempre dispostos a aprender mais e mais.
E vamos estudar novamente e fazem-se Km´s sem fim, noitadas em trabalhos de grupo e pagam-se propinas desalmadamente, mesmo que nem sejamos gastadores de água e luz nas universidades.
E muda-se de trabalho porque apenas se conhece uma realidade profissional, porque há outros setores, porque é necessário sair da zona de conforto, é preciso arriscar e acreditar na mudança.
E mudo-me para a zona do país onde nunca quis e imaginei trabalhar (Lisboa) e é aqui que dou o maior tropeção de todos! Não mudei porque vim ganhar mais, pelo contrário vim perder sempre mais e assim vou continuar. E se era esta a fatura que me estava reservada pois bem...olho para trás e não vejo em que é que lesei o setor público, o Estado ou até mesmo o país. Não sei o que são descontos para subsistemas especiais, seguros de vida ou de saúde, a empresa onde trabalho não recebe um cêntimo do orçamento de estado mas ainda assim encontro-me entre os milhares contemplados pela "interpolação linear", algures proposta num tal artigo que ditará mais um passo atrás.
E a gente olha para tudo isto e pergunta que gente foi e é esta que (des)governou um país durante décadas?
Gostei.
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