#rio2016 - I
Talvez o meu desassossego pelos
sítios venha de ti, avô. “Bubu”, como eu te chamava.
Pela pequena arca coberta de pó e
de memórias a minha curiosidade nunca foi menor do que a tua audácia quando decidiste
ir além-mar. Entre fotografias onde apareces como um galã, com fato e chapéu de
aba, cartas dirigidas às pessoas com quem trabalhaste, o teu cartão de
colaborador do mercado de frutas, entre vários escritos, o meu interesse pelo
Rio veio assim. Através de ti, e das tuas memórias!
E se os lugares são de afectos eu
não podia falhar este, pela curiosidade, pela ligação de estar num sítio onde,
há quase 90 anos atrás desembarcaste e preencheste nove anos da tua vida.
O Rio para mim é um punhado de
imaginação em torno de meia dúzia de papéis que guardo religiosamente e de todas
as histórias que, em boa verdade, não sei se as contaste enquanto embalaste as
minhas tropelias de criança ou se, eu quis que assim fossem.
Ainda me lembro da minha
insistência com o programa “Ponto de Encontro” para que, forçosamente fôssemos
à procura de quem tu nem sequer sabias se existia.
O que existe sim é um enorme
vazio desde que nos deixaste, muito embora haja dias em que me pergunto o que
me dirias, com que conselhos rematarias. E isso é falar contigo, sempre!!
Imagino o dia 30 de Maio de 1926
quando chegaste ao Brasil depois de mais de 15 dias no mar. Imagino o teu olhar
doce castigado pelo cansaço e se estaria no cais à tua espera alguém da família
dos Alves Cunha que assinam cartas e te devolvem missivas de amizade e de quem
eu não sei a história, de onde são e como foram parar ao Rio.
Das tuas cadernetas de
trabalhador constam admissões no estabelecimento Cunha & Pinto no dia 01 de
Fevereiro de 1927 e o período de 01 de Dezembro de 1927 até 07 de Janeiro de
1934, no estabelecimento David & Freitas, Cª, ambos locais de vendas de
cereais e frutas. Eras carregador e trabalhavas no mercado municipal da rua IX
nº 71/75, segundo consta na tua “carteira profissional” . O nosso amigo Google
diz-me que o mercado antigo já não existe pois foi demolido por volta de 1950
para a construção de um viaduto, tendo restado apenas uma das torres do mercado
onde funcionou um restaurante chamado Alba Mar.
E se viveste na rua da Misericórdia,
43 para mim faz todo o sentido que seja hoje o Largo da Misericórdia, 43, muito
perto da Praça Marechal Ancora onde está a tal torre do antigo mercado. Mas
isso são tudo conjecturas e a minha vontade de encontrar sítios em torno dos
teus papéis.
Seja como for, o Rio é para “desenjoar”
muito a propósito de uma carta datada de 30/05/1937 em que o Sr. José Alves da
Cunha te escreve e te promete uma “carta de chamada”, da qual transcrevo “podes
ficar descançado que eu vou te fazer a vontade, pois parece que já enjoaste de
Portugal”.
O meu avô, o primeiro do lado esquerdo.
O meu avô com a farda de carregador.
Fotografia do antigo mercado municipal do Rio de Janeiro. Foto daqui.
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