O dia de hoje naquele outro dia

Eu nunca gostei do dia de todos os santos até àquele dia.
Do dia de todos os santos, dos fiéis defuntos, dos finados, de tudo o que se cria à volta de uma tristeza que até faz do Outono mais triste do que na realidade ele é.
Desde criança que este era o dia em que via mais pessoas na freguesia do que em todos os outros dias do ano. Vinham de todos os sítios onde viviam as suas vidas para visitar aqueles que moram sob as paredes altas do cemitério e depositavam flores, muitas flores, as mais caras, as mais vistosas, as mais bonitas, numa procissão de vaidade que desde sempre me enervou.
Não me lembro deste dia sem ser chuvoso, triste, com aquele cheiro dos pavios das velas de papel prata onde fixava o olhar enquanto as rezas se repetiam sem valor nenhum. Era o estar presente sem estar, na verdade.
Mas no dia em que, por questões de trabalho, recebo convite para uma festa de celebração dos mortos na embaixada do México, em Lisboa, abriu-se um novo mundo e eu pensei como poderia ter vivido com tamanha ignorância cultural em matéria de celebração de mortos.
Festa, comida, caveirinhas de açúcar, música e decoração que em nada remetia à tristeza. Até os cravos-xarope, apesar de continuarem fedorentos, ganharam outro encanto.
Nunca fui ao México, tirando todas as vezes que me lembro dessa festa, dos costumes e do nosso dia de celebração dos mortos. Hoje, portanto!



(foto tirada no Parque Cidadela, em Poznan, onde é o cemitério de milhares de militares da I e II Guerra Mundial)

Comentários

  1. Gostei do texto. Há muitos anos luto contra a angústia que me invade por estes dias, de ha quatro anos para cá vou a fundo de mim buscar forças para não voltar a ouvir o sermão macabro repetido...decidi não ouvir mais. Brindo o meu pai com as melhores recordações que dele guardo... Preciso mesmo de ir ao México

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    1. E é mesmo isso que devemos fazer Adília! E não existem melhores orações do que as conversas que continuamos a ter com os nossos.
      ;)

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