L' essenza
E ela soltou o "ma Dio" a falar com as mãos e pareceu-me tanto o "ma che cazzo" que é impossível dizer sem gesticular.
E eu voltei à Via Marzolo, à residenza Fusinato, voltei às aulas do professor Novaga que me fez comprar Calvino e lê-lo na sua língua e àquele dia no supermercado em que repeti que queria o creme de pesce quando, na verdade, era pesche.
Diz-nos que é do Norte de Itália mas, na verdade, é do mundo porque já esteve em mais países do que todas as pessoas reunidas naquela mesa.
Muda-se para Portugal no exacto momento em que conhece um lugar nosso. Fala-nos das nossas gentes com a mesma precisão que falamos de nós próprios. Aquela "precisão" carregadinha de enviesamentos e com aqueles padrões culturais que vamos atribuindo ao Norte, ao Sul e às Ilhas. Nunca ficará exactamente definido se mudou a sua vida porque se enamorou por esse lugar ou porque precisava de mudar a si mesma e sair do novelo de obrigações. É certo que essa combinação a fez chegar até cá e parece repetir uma história que já vamos conhecendo e havemos de voltar a ler no livro que está a escrever.
E eu vejo-a a chegar a perceber as touradas à corda e o porquê daquele posto de turismo lhe apresentar flyers do século passado, mas não a vejo a envelhecer numa casa da Serreta com vista para o mar. É mais certo que a caravana venha a ser a sua casa, cumprindo uma história como a daquele casal de reformados que conheceu no Porto.
E vai ser de toda a parte e de nenhum lugar, com a certeza, porém, que a essência estará no momento em que usa as mãos e diz "ma Dio".
A mesma essência que reside naquilo que me fez trocar pêssegos por peixe, há mais de quinze anos atrás.
Praça do Comércio, 24.11.2018
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