Noção de tempo

Foi no dia trinta. 
A senhora falava para o jornalista em frente à entrada do estabelecimento prisional de Lisboa. A cadeia, como sempre lhe chamei.
Falava do seu filho e das queixas deste em relação às condições dentro da prisão, reflexo das greves dos guardas prisionais.
Não demorariam as piadas e eu pensei que, noutra ocasião, teria eu própria ironizado com a situação. Mas lembrei-me de quem lá está que não me é anónimo. Lembrei-me daquele rasgo de infância, do dia em que fui à pesca na foz do rio como a única imagem que poderá sobrepôr-se ao desprezo, à vergonha e à tristeza.
Lembrei-me de todos aqueles com quem trabalhei ligados a esse mundo de contraste, entre a culpa e a libertação. Lembrei-me do dia em que fui a uma reunião ao Linhó para ali jurar que não voltaria para conversas delirantes.
Era dia trinta e eu já repetira vezes sem conta que 2018 passou muito rápido.
E lembrei-me dele, mais uma vez. E da contagem do tempo atrás de uma cela. O tempo num calendário de remissão e penitência. E pensei que talvez não seja assim tão rápido.

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