Na rua da solidão



[Vista da Prainha em Angra do Heroísmo - 03.03.2019] 

Eu ia a subir a rua que cruza com a dos Canos Verdes quando o vi a cambalear do passeio para a parede.

Depreendi, nessa urgência de julgar para o pior, que estivera num café ou em alguma tasca até ficar naquele estado e vi-lhe duas vidas e memórias menos boas. 

Foi quando virei na rua, em direcção à prainha, que ele tombou. Uma rapariga entrava num carro e ainda lhe lancei um olhar a tentar pedir ajuda. Corri para o homem, tentei levantá-lo, perguntei se estava bem e daquilo que me respondeu não entendi uma palavra.

Teria cerca de setenta anos, talvez nem tanto, vestia bem, bigode aparado, tinha dois maços de Winston no bolso do casaco do lado que o agarrei, tinha um anel com uma pedra vermelha e um vazio imenso no olhar. 

A rapariga fez-lhe perguntas e percebeu que vivia numa pensão mais abaixo. Enquanto descíamos a rua desciam-lhe as lágrimas também, e ele murmurou que estava sozinho e sem família. E eu pensei que não haveria consolo, nem bebida que lhe devolvesse o que não tinha. 

Perguntam-me se eu o conheço e digo que acabo de chegar à cidade. 

Chamava-se José António, porque lhe perguntei o nome. 

O senhor José também não é da cidade, é da Vila Nova, e emociona-se dizendo que ainda há pessoas  que gostam de ajudar. 

Apenas me ocorreu dizer-lhe que devemos procurar ser a melhor companhia para nós próprios e não vergar à solidão. Àquela que nos corrompe. 

Agarrava-me a mão e o braço e ainda agora lhe sinto o desamparo.

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