Todos os ventos #3

Sobre o sonho cantava ela, também. "Dream on Girl", de um disco de 2008 que ainda guardo. 
Mas naquela noite, vésperas de Natal, chegada a casa depois do jantar da empresa ouvi essa música repetidamente. Só me lembro disso. E do cheiro forte a xixi de gato que nunca saiu daquela casa.  Chão ocre, a lareira com as cinzas de todo os sempre, aquela alcatifa gasta do quarto. Uma janela ampla na sala. E agora mesmo não saberia conduzir até essa casa. Nem tenho memória da zona da cidade. Também as suas palavras ou a forma como se despediu de mim se impregnaram. Mas ficaram lá. No sofá quando me deitei e perguntei o que era aquilo que estava prestes a iniciar. As mesmas palavras que geravam aquela ânsia pelo amanhã, um certo tremor, aquele formigueiro que acelera tudo. E isto seria muito antes de tudo. Mas foi disso que me lembrei quando ela ontem pisou o palco para cantar a balada com o seu nome.
Fui até essa noite quando nos despedimos, nesse lugar onde transbordava o rio e vagueavam os jacintos nos invernos mais atrevidos. Onde nunca mais voltei para ver as cores do Outono que era a estação mais bonita, naquela imensidão de juncais castanhos e a pequena guarita de madeira no meio.

     - Precisas de alguma coisa?
     - Não, obrigada, eu vou bem - respondi-lhe sem jeito, ainda sem prever que era a primeira brisa de todos os ventos que viriam.





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