Ping Pong
Sempre que cruzo aquela cancela olho para a direita para a mesa de ping pong, lá ao fundo, junto à latada. Nunca está lá ninguém e isso é um desafio consumado. Mas hoje estava.
Dois homens, aparentemente pai e filho, jogavam com aquela seriedade de quem conta os pontos e decide de quem é a vez de começar nova jogada, atirando a bola para o outro, fazendo-a estalar na mesa com aquele "ploc". Eu vou em modo de corrida mas isso arranca-me para horas e horas naquela Fusinato, da via Marzolo. Dá vontade de deixar a corrida e ir lá pedir para jogar um bocadinho.
E lembro-me dele. Alto, magro, aquele cabelo negro em desalinho e aquele sorriso rasgado. E de todas as vezes que nos bateu em todos os torneios que organizámos naquela sala, no piso térreo do dormitório.
Pergunto-me o que será do J.. Da última vez que soube dele, pelos jornais, era o rosto de uma desgraça que lhe viria a dar páginas de jornais sobre como resgatar da dor os sobreviventes de uma tragédia. Imagino-o no hospital, por detrás da sua bata branca e já longe das suas dúvidas, incertezas, medos, das horas de psicoterapia que ele próprio recebia, daquele olhar fugidio, do rebelde que queria experimentar o mundo em dois dias. Ou num apenas, se isso fosse possível. Nunca mais o vi, desde esse dia, fora da estação de Campanhã, numa das suas poucas (acho) viagens a Portugal. Lembro-me dessa foto que me enviou com o cão no jardim da sua casa. Ou da outra foto que tirou na catedral de Milão e na qual escreveu uma dedicatória. Aquele ego a fervilhar de vontades, naquele sangue basco carregado de temores, sem quase nunca o demonstrar. Mesmo quando, quase sempre, arriscava perder comigo num jogo de ping pong.
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