A Rua de Baixo
Chega-se à aldeia por uma pequena estrada de terra batida ladeada de sobreiros onde estavam colados cartazes do Charlie Brown com a indicação "please, drive slowly". Quem serão aquelas pessoas que vivem em auto-caravanas, sem acesso a água potável, em pequenos terrenos delimitados por cercas de canaviais secos, com hortas geometricamente plantadas e com carros semi abandonados nos caminhos, sem matrícula? Quem serão estes outsiders dos sistemas, das políticas, das crises, do mundo burocrata onde vivemos? Qual é a sua casa? Se lhe perguntarmos, dirão que são do país onde nasceram ou são da terra que lhes dá sustento? Ou do céu sem chão, que não impõe fronteiras, nem barreiras de identidade?
Depois de atravessar a rua das casas brancas - a rua de Baixo - há um pequeno largo com uma oliveira e uma caixa de correio comunitária de onde saem bocados de panfletos de promoções amareleçidos pelo sol.
Mais abaixo um homem de avental senta-se no átrio do café-restaurante e acende um cigarro. Diz-me "olá, bom dia" com sotaque inglês-asiático.
Aproximo-me do painel explicativo do trilho e é então que a vejo. Olhos azuis oceano, muito vivos, corpo muito magro num vestido jovial que lhe deixa ver as costelas saídas. Um chapéu estilo country, trança no cabelo loiro e aquele aviso que foi um murro no meu estômago vazio "Missing woman". Julia estaria desaparecida desde o dia vinte e oito de junho e o resto do caminho pensei nela. Na eventual psicose descrita, no seu último caminho para algo vazio e negro. No abandono. No conjunto de hipóteses que as pessoas que a procuram formularam. Na derradeira dúvida que encontrei ao fim daquela rua: a vida ou a morte?
[ a Rua de Baixo - aldeia de Pedralva - 28.07.2019]
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