janela #1

Os dias felizmente têm acordado com aquela luz de céu limpo, com sol e vento fresco. Da janela, nada aparenta o que se agiganta lá fora.
Mas de imediato começam os pensamentos em cadeia que têm sido os maiores inimigos por estes dias. Começam com esse raciocínio de já não saber se o sol é bom porque é sinónimo de seca, passa para o momento em que lavo morangos e penso nas pessoas deslocadas que estão na zona do Sudoeste, dezenas ou centenas, do Bangladesh, do Nepal e de outros países, que colhem os frutos, embalam e depois penso em toda a cadeia até que eles chegam a mim e eu abro a torneira para lavar e  eu não posso gastar muita água e quanto mais tempo e quantos mais pensamentos destes eu vou ter num dia? Debruço-me na janela e a caixa da guitarra e do amplificador ainda estão na calçada. Já passaram quatro dias e ainda ninguém fez nada, inclusive eu.
Depois sento-me, começo a ler emails e parece até que há uma humanização nas palavras.
"Desejamos que tudo esteja bem consigo e com a sua família". Aqueles com quem barafustamos, exigimos cumprimento de prazos apertados, respostas imediatas, serviços acima da excelência e sempre que corroburamos algum lapso da parte deles, os apelidamos de incompetentes.
São contactos diários, ou esporádicos, não importa. E ao de leve, pensamos que alguma coisa ainda poderá fazer por nós, este vírus.
Ou já nada, infelizmente.

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