janela #10
Chove mais agora e eu penso naquilo que distingue uma manhã de inverno boa, de uma menos boa - o vagar de ficar na cama.
E levanto-me, abro o estore da janela, esse óculo do mundo, e penso nessa remota possibilidade da chuva ser a solução, de lavar o que não podemos tocar, de criar pequenos riachos nas bermas das cidades e levar para as sarjetas profundos o pior dos nossos males. E pequenos leitos de água com aquela camada fina do pó das árvores somem-se para ficar tudo expurgado de insalubridade.
Ainda não passaram os três autocarros mais velhos e barulhentos e eu aqueço a água para o café. E as minhas manhãs parecem já retratos do filme "pára-me de repente o pensamento".
Quantas catástrofes naturais estará o universo a alinhar, numa espécie de concílio, onde se ajustam contas e afina-se uma parte do planeta, para desiquilibrar outra, como se estivesse a afinar um piano até que o diapasão não mente?
Quantas vezes, esta chuva normal que vejo da janela, jorrará em doses desmedidas para escavar valas, criar novas ribeiras, arrastar carros, pessoas e casas?
Quantas vezes a terra secará até à última gota, escavando gretas enormes onde nada sobrevive apenas o rasto da poeira que espalha a fome?
Dois goles no café e penso se terei janela, por essa altura.
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