[ #estudossociais ]

- tem sintomas?

E eu diria que sim, uma moinha estranha, um desalento, uma tristeza grande, uma falta de perspectiva, de acreditar em mim e nos outros. Sentir que o "nosso bairro" não muda para melhor, que não há um caminho para todos, para responder ao que cada um mais precisa – viver o melhor possível com os seus direitos salvaguardados. Sem balelas, sem merdas e frases feitas de colocar em legendas do pôr do sol.

As imagens dos últimos dias ferem, são angustiantes, são demasiado violentas. São efémeras, também. Porque o mundo arranjará outras com as quais nos vamos impressionar ainda mais e questionar outro tanto. 

Partilham por aí uma imagem de uma mulher totalmente tapada, em pé, de burka, numa praia junto à água (em que se vê o homem na água, com uma criança - fonte: instagram do Hugo Válter Mãe) e eu lembrei-me do passado domingo, na Praia Grande, as duas situações em que não fui capaz de dizer nada. 

Rodeada de “pessoas de bem”, de gente educadíssima, com filhos que escavam na areia com o mesmo afinco que irão esbanjar semanadas fartas na adolescência, tirar as melhores notas nos melhores colégios privados e gerir as empresas de topo deste país, seguindo essa escala de competência, chamada linhagem.

Rodeada de pessoas estouvadas, que levam dez arcas com bebidas, outras tantas com comida, miúdos que nos aterram em cima da toalha, mas dão-nos a comer da sua bola de Berlim.

Rodeada dos machos do ginásio, dos gordos da tasca, dos que coçam a sagrada família quando as babes passam de abdominal definido ou nem por isso, e dos que passam pelas brasas e acordam sozinhos.

Rodeada de todos e de tudo. A praia é assim mesmo: universal, mas particular.

Mais ou menos expostos, estamos ali. Debaixo do mesmo sol com as nossas vidas a acontecer. 

Até que eles chegaram, sem podermos alvitrar nacionalidades, religiões, o que quer que seja. Ela usava um lenço a tapar a cabeça e usava calças tipo leggings por debaixo de um vestido. Ele estava de calções e tshirt. Ela apenas tirou as calças e sentaram-se ambos na zona da rebentação. Vestidos. Como queriam ou podiam estar. Não sei. Posso intuir muitas coisas mas o mar não recuou, as ondas não deixaram de bater com força, o sol não se tapou. E eles continuaram a sorrir e a aproveitar aquele momento.

Apenas os risinhos e os comentários toscos da família ao meu lado, remoeram o meu ventre. Enojaram-me, nessa ignição de raiva e desprezo. 

A mesma família que teceu comentários desprezíveis, baseados na cor do cabelo de um jovem e no tipo de camisa que ele vestia por cima do fato de surfista que tinha apenas até à cintura. As crianças por ali, ao redor, na primeira plateia de mais uma sessão de educação preconceituosa, deformada. Imagino as respostas aos seus porquês, no dia-a-dia. 

A praia universal e um longo caminho a percorrer nas suas particularidades. 

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