[ #wordlog #nocturnos ]

 Está um início de noite fria. Saio das sombras escuras do parque para a dar a volta que desenha um quase coração no mapa.

Não sei porque fraquejam tanto as lâmpadas de todas as vias. Tanto como os meus joelhos nos primeiros metros descompassados.

Vejo-as junto ao estádio, ombros desnudados, tops justos, estão concentradas no reflexo que a vidraça lhes devolve. Arranjam o cabelo como se do lado de lá estivesse uma objectiva em busca de uma perfeição que não existe. Nunca vai existir aos olhos delas. Está frio e elas são verão escaldante.

Tropeço nas raízes das árvores que brotam do asfalto, como que rompendo a sua condição. Os miúdos da trotinete passam em voo rasante e gritam ferozmente. Nem as raízes das árvores os querem fazer parar.

Dou a volta ao parque. Eles envergam sacos pesados e vão em direcção ao ginásio. Cheira a perfume fresco guardado em longas horas em fatos elegantes e apertados. Passa quem corre velozmente. Tossem, cospem, suam. Não sei se recebo deles comissões de vírus. Mas prefiro os vírus perfumados. 

São três, a ocupar o passeio. Vestem tigres mas não são de cativeiro. Soltam bafuradas de fumo e desfilam naquela passarela urbana. Parecem actrizes de cinema e talvez o sejam. É a pele delas. Uma, com o rosto ilumindado pelo luar telefónico, solta " E Nova Iorque?".

 Imagino-as no Ground Zero da essência da vida delas. Perdão,  não as imagino. Vejo-as.


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